
V. percebeu que anda esquecendo aquele telefone importante de uma pessoa querida? Percebeu que não se lembra mais do nome daquele filme... qual era mesmo? E o nome de um amigo da infância? O número de sua casa lá em Santana? O número da placa do primeiro carro?
Pois é. Tenho vivido situações semelhantes. Esse
apagamento está associado com a
destruição ou
obsolescência de setores de minha memória afetiva. Como assim? Vamos lá,
obsolescência: com o surgimento das agendas eletrônicas, "transferi" para os bancos de dados externos esse tipo de informação. As redes neuronais já se estendem para além dos limites físicos do meu cérebro. E a
destruição? bem, voltemos ao ICC.
Outro dia estive no Instituto. Entrei por uma de suas portas, entre outras... sei lá, no mundo do ICC há tantas... E dei de caras com
O Pátio. Aquele Pátio que todos vocês um dia conheceram. Aquele que, ao centro, disputando eternamente em importância e dignidade, estão Mo Leão e o velho
ficus - ambos fincados no centro dos nossos corações.
Mas será mesmo
aquele Pátio que os meus olhos agora divisavam?
Duvido!
De alguma forma a arquitetura de uma cidade, com suas praças, árvores, ruas e edifícios, são como células de uma incrível, variada e multiforme
base de dados, à qual se liga a nossa memória afetiva. Nossas redes neuronais alcançam a cidade e estabelecem com ela vínculos profundos de reconhecimento e certeza e nela fixam elementos tão próprios e singulares, como é a essência de nossa memória. Destruída,
puft!, somem, como que por encanto, as emoções que as paredes e edifícios guardavam.
E aí, então, tornamo-nos fantasmas. E passamos a sonhar...

Sonhei que percorria aqueles corredores do ICC e reencontrava os caminhos da minha infância nas câmaras e vestíbulos que se acham ainda mantidos. Quem são aquelas pessoas com quem me encontro nos sonhos? Estranho... a arquitetura se transformou, mas ainda reconheço cada caminho, cada recanto daquela formidável construção, o grande Instituto Cristóvão Colombo!
As imagens me vêm e me tomam de assalto. O ICC transluz. Suas paredes, o pátio, o
ficus secular plantado no centro de nossa alma, em cujas profundas raízes
as paquinhas dormiam, tudo isso me vem agora como um mar voluptuoso e irresistível. Ah! tudo está projetado nalguma inaudita dimensão. Uma vida que se mantém intocada com os sentidos próprios, em infinitas combinações. Tenho certeza que está lá, onde algo não está!
Lembro-me que um dia, num domingo ensolarado, deitei-me numa roda infantil instalada defronte ao Pátio. Os olhos postos no teto, pus-me a rodar, rodar e rodopiando, vestiginosamente, num sobrevôo de reconhecimento de uma
terra incognita, vi abaixo de mim as coisas inatingíveis: me tornava afinal impossível às coisas impossíveis... E num relâmpago azul e luminoso, vi um velho pensativo, os olhos embaciados postos em mim, o que quer de mim, esse velho?
E logo acordo. Deus meu! O que quer de mim essa criança que não dorme?
A imagem:
Next Stop: Immortality:
http://www.futurehi.net/docs/RAW_Immortality.html.