serraia, amor e dia das mães

Vez por outra serviam uma comida intragável no ICC. Vocês se lembram de uma tal serralha ou serraia? Uma verdura amarga, plantinha de uma textura áspera, verde escura, parece com a danada ao lado. Ainda me vem o seu amargor que trava o paladar!
Eu me lembro de não tolerar esse complemento alimentar - que algum valor nutricional haverá de ter e parece mesmo que era da predileção daqueles cozinheiros da alma.
Minha mãe, querida Dona Amélia, contava uma história triste. Sempre me dizia que um dia, naqueles domingos de visita em que o mundo nos vinha em quanta, pela voz fanha do falante metálico, encontrou-me com as bochechas arroxeadas. Investiga daqui, pergunta dali, questiona um pouco mais... e eis que descobre que a tal verdura me foi empurrada goela abaixo, sob os protestos veementes e a resistência heróica do órfão revoltado. O grande algoz foi o empedernido Molhão! Sempre o Mo´Leão.
Fiquei revoltado. Ouvirei essa palavra pelos outros 40 anos que se seguiram - revoltado... francamente! Que outra coisa poderia ser, no calor de uma luta afinal vencida pela afirmação corajosa num mundo hostil e entristecido?
Essas palavras ficaram pelo caminho. Serraia, paquinha, Barroca, Molhão... A luta contra a ração diária de serralha é já um longinquo passado. Um passado que me pesa, às vezes. Volta como soluços profundos... me assombro com algo que se movimenta lentamente nas entranhas! Que raro descobrir que esse amontoado de carbono se estremeça com uma inesperada epifania!
Manuseando uma caixinha de madeira em que estão depositados fotos e outros objetos deixados pela Dona Amélia, deparo-me com uma cartinha que o pequeno que agora me olha de dentro enviou à sua querida mamãe.
Tudo ocorreu num longinquo dia das mães - um tempo esquecido do qual a única prova visível é uma carta amarelada guardada ao longo dos anos numa caixinha de sabonete no armário. Por que terá guardado por tanto tempo, mamãe?
Dizia a letrinha miúda e sofrida: Mamãe hoje dia das mães ofereço minha glória hoje neste dia glorioso ofereso com tando o amor e fé esta carta que quero a senhora, dizia o menino. E continua Mehor eu no possa que se compre esta promesa que eu tanto amei por tanto... mamãe uma grande lembrança e uma grande felisidade ofereço esa carta e essa emensa gloria e maus coisas quero quando sair deste colegio uma sempre lembrança que eu fiz todas todas mais todas que eu feiz lembro lá em casa e na rua e que tanto fiz perdõe todas as coisas e de todos amores que tanto gostei da senhora que tanto amei que tanto gostei um coração sempre aberto. Mamãe desejo essa grande felizidade a senhora que tanto quiz que esta marcado no meu coração então mostra a emesa gloria que tanto amei que ofereço esta mamãe quero oferecer tudo iso que lhe gatanhar e resa o maior o maior que tanto amei a Deus que abençoe eu e a senho e nossa familia ajudai me a ler ea escrever.
Hoje não choro a passagem da D. Amélia nesta terra de degredo. Tenho saudades vendo as suas fotos, querida mamãe. Aquietou-se em mim um choro miúdo que não se ouve no coro desafinado da multidão. Se eu pudesse dizer alguma coisa a respeito dessa cartinha seria certamente que o tempo verbal denuncia uma profunda irresignação e incompreensão. Apartado de minha amada, só podia lamentar o tanto que amei...
Minha querida Dona Amélia. Eu a amo verdadeira e integralmente. Com todas as forças de minha vida!
de seu filho, SJ.