Comunidade do Instituto Cristovão Colombo

Aqui os membros da comunidade do Orkut podem tudo!!! Vamos relembrar os bons e os não tão bons tempos!!! Postem fotos à vontade!!!

Wednesday, January 11, 2006

serraia, amor e dia das mães


Vez por outra serviam uma comida intragável no ICC. Vocês se lembram de uma tal serralha ou serraia? Uma verdura amarga, plantinha de uma textura áspera, verde escura, parece com a danada ao lado. Ainda me vem o seu amargor que trava o paladar!

Eu me lembro de não tolerar esse complemento alimentar - que algum valor nutricional haverá de ter e parece mesmo que era da predileção daqueles cozinheiros da alma.

Minha mãe, querida Dona Amélia, contava uma história triste. Sempre me dizia que um dia, naqueles domingos de visita em que o mundo nos vinha em quanta, pela voz fanha do falante metálico, encontrou-me com as bochechas arroxeadas. Investiga daqui, pergunta dali, questiona um pouco mais... e eis que descobre que a tal verdura me foi empurrada goela abaixo, sob os protestos veementes e a resistência heróica do órfão revoltado. O grande algoz foi o empedernido Molhão! Sempre o Mo´Leão.

Fiquei revoltado. Ouvirei essa palavra pelos outros 40 anos que se seguiram - revoltado... francamente! Que outra coisa poderia ser, no calor de uma luta afinal vencida pela afirmação corajosa num mundo hostil e entristecido?

Essas palavras ficaram pelo caminho. Serraia, paquinha, Barroca, Molhão... A luta contra a ração diária de serralha é já um longinquo passado. Um passado que me pesa, às vezes. Volta como soluços profundos... me assombro com algo que se movimenta lentamente nas entranhas! Que raro descobrir que esse amontoado de carbono se estremeça com uma inesperada epifania!

Manuseando uma caixinha de madeira em que estão depositados fotos e outros objetos deixados pela Dona Amélia, deparo-me com uma cartinha que o pequeno que agora me olha de dentro enviou à sua querida mamãe.

Tudo ocorreu num longinquo dia das mães - um tempo esquecido do qual a única prova visível é uma carta amarelada guardada ao longo dos anos numa caixinha de sabonete no armário. Por que terá guardado por tanto tempo, mamãe?

Dizia a letrinha miúda e sofrida: Mamãe hoje dia das mães ofereço minha glória hoje neste dia glorioso ofereso com tando o amor e fé esta carta que quero a senhora, dizia o menino. E continua Mehor eu no possa que se compre esta promesa que eu tanto amei por tanto... mamãe uma grande lembrança e uma grande felisidade ofereço esa carta e essa emensa gloria e maus coisas quero quando sair deste colegio uma sempre lembrança que eu fiz todas todas mais todas que eu feiz lembro lá em casa e na rua e que tanto fiz perdõe todas as coisas e de todos amores que tanto gostei da senhora que tanto amei que tanto gostei um coração sempre aberto. Mamãe desejo essa grande felizidade a senhora que tanto quiz que esta marcado no meu coração então mostra a emesa gloria que tanto amei que ofereço esta mamãe quero oferecer tudo iso que lhe gatanhar e resa o maior o maior que tanto amei a Deus que abençoe eu e a senho e nossa familia ajudai me a ler ea escrever.

Hoje não choro a passagem da D. Amélia nesta terra de degredo. Tenho saudades vendo as suas fotos, querida mamãe. Aquietou-se em mim um choro miúdo que não se ouve no coro desafinado da multidão. Se eu pudesse dizer alguma coisa a respeito dessa cartinha seria certamente que o tempo verbal denuncia uma profunda irresignação e incompreensão. Apartado de minha amada, só podia lamentar o tanto que amei...

Minha querida Dona Amélia. Eu a amo verdadeira e integralmente. Com todas as forças de minha vida!

de seu filho, SJ.

Sunday, January 01, 2006

5th dimension


V. percebeu que anda esquecendo aquele telefone importante de uma pessoa querida? Percebeu que não se lembra mais do nome daquele filme... qual era mesmo? E o nome de um amigo da infância? O número de sua casa lá em Santana? O número da placa do primeiro carro?

Pois é. Tenho vivido situações semelhantes. Esse apagamento está associado com a destruição ou obsolescência de setores de minha memória afetiva. Como assim? Vamos lá, obsolescência: com o surgimento das agendas eletrônicas, "transferi" para os bancos de dados externos esse tipo de informação. As redes neuronais já se estendem para além dos limites físicos do meu cérebro. E a destruição? bem, voltemos ao ICC.

Outro dia estive no Instituto. Entrei por uma de suas portas, entre outras... sei lá, no mundo do ICC há tantas... E dei de caras com O Pátio. Aquele Pátio que todos vocês um dia conheceram. Aquele que, ao centro, disputando eternamente em importância e dignidade, estão Mo Leão e o velho ficus - ambos fincados no centro dos nossos corações.

Mas será mesmo aquele Pátio que os meus olhos agora divisavam?

Duvido!

De alguma forma a arquitetura de uma cidade, com suas praças, árvores, ruas e edifícios, são como células de uma incrível, variada e multiforme base de dados, à qual se liga a nossa memória afetiva. Nossas redes neuronais alcançam a cidade e estabelecem com ela vínculos profundos de reconhecimento e certeza e nela fixam elementos tão próprios e singulares, como é a essência de nossa memória. Destruída, puft!, somem, como que por encanto, as emoções que as paredes e edifícios guardavam.

E aí, então, tornamo-nos fantasmas. E passamos a sonhar...
Sonhei que percorria aqueles corredores do ICC e reencontrava os caminhos da minha infância nas câmaras e vestíbulos que se acham ainda mantidos. Quem são aquelas pessoas com quem me encontro nos sonhos? Estranho... a arquitetura se transformou, mas ainda reconheço cada caminho, cada recanto daquela formidável construção, o grande Instituto Cristóvão Colombo!

As imagens me vêm e me tomam de assalto. O ICC transluz. Suas paredes, o pátio, o ficus secular plantado no centro de nossa alma, em cujas profundas raízes as paquinhas dormiam, tudo isso me vem agora como um mar voluptuoso e irresistível. Ah! tudo está projetado nalguma inaudita dimensão. Uma vida que se mantém intocada com os sentidos próprios, em infinitas combinações. Tenho certeza que está lá, onde algo não está!

Lembro-me que um dia, num domingo ensolarado, deitei-me numa roda infantil instalada defronte ao Pátio. Os olhos postos no teto, pus-me a rodar, rodar e rodopiando, vestiginosamente, num sobrevôo de reconhecimento de uma terra incognita, vi abaixo de mim as coisas inatingíveis: me tornava afinal impossível às coisas impossíveis... E num relâmpago azul e luminoso, vi um velho pensativo, os olhos embaciados postos em mim, o que quer de mim, esse velho?

E logo acordo. Deus meu! O que quer de mim essa criança que não dorme?

A imagem: Next Stop: Immortality: http://www.futurehi.net/docs/RAW_Immortality.html.